Um Mendigo dos arredores de Madri esmolava nobremente.Disse-lhe um transeunte:
- O senhor não tem vergonha de se dedicar a mister do infame, quando podia trabalhar?
- Senhor - respondeu o pedinte - , estou lhe pedindo dinheiro e não conselhos. - E com toda a dignidade castelhana virou-lhe as costas.
Era um mendigo soberbo. Um nada lhe feria a vaidade. Pedia esmola por amor de si mesmo, e por amor de si mesmo não suportava reprimendas.
Viajando pela Índia, topou um missionário com um faquir carregado de cadeias, nu como um macaco, deitado sobre o ventre e deixando-se chicotear em resgate dos pecados de seus patrícios indianos, que lhe davam algumas moedas do país.
- Que renúncia de si mesmo - dizia um dos espectadores.
- Renúncia de mim mesmo? - retorquiu o faquir. - Ficai sabendo que não me deixo açoitar neste mundo senão para vos retribuir no outro. Quando fordes cavalo e eu cavaleiro.
Tiveram pois plena razão os que disseram ser o amor de nós mesmos a base de todas as nossas ações na Índia, na Espanha, como em toda a terra habitável.
Supérfluo é provar aos homens que têm rosto. Supérfluo também seria demonstrar-lhes possuírem amor-próprio. O amor-próprio é o instrumento da nossa conservação. Assemelha-se ao intrumento da perpetuação da espécie. Necessitamo-lo. É-nos caro. Deleita-nos. E cumpre ocultá-lo.
Retirado de Dicionário Filosófico (1764)
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